terça-feira, 18 de junho de 2013

Entrevista com o Artista Paraense João Cirilo


Cirilo é graduado em Educação Artística (2004), especialista em Semiótica e Artes Visuais (2006) e mestre em Artes pela Universidade Federal do Pará (2011). Trabalha com pesquisa, produção e educação na área de Artes Visuais.

 

Em que medida as atividades profissionais que hoje realizas como artista visual, músico, gestor público, pesquisador e educador, resultam da tua origem ligada ao distrito de Icoaraci, em Belém do Pará?

Acredito que o principal dado que Icoaraci me ofereceu ao longo de todos esses anos e que ecoa na minha prática profissional, na minha forma de me relacionar e entender o mundo, está na percepção de experenciar o tempo; o desejo de procurar saber desfrutá-lo. A distância geográfica que o distrito de Icoaraci possui de praticamente todos os lugares do mundo me ensinou a possibilidade de apreciar e valorizar o caminho, o percurso, a trajetória, e digo isso em diversos sentidos, sendo o principal deles, o de estimar e valorizar mais as experiências do presente do que os resultados imagináveis do futuro. É pela observação das ruas; do tempo, das pessoas e das coisas pelas janelas dos ônibus ao longo do trajeto de casa para o centro e vice versa, que vislumbro ideias, elucubro possibilidades. É no tempo passado nos ônibus que leio, estudo, ouço música, observo, aprendo, reflito. Atravesso atualmente um processo profundo de mudança. A Bonsalvage, banda da qual fiz parte entre 2008 e 2012, acabou, e me vejo cada vez mais envolvido com o meio acadêmico, ministrando aulas de desenho e de composição visual, e buscando cada vez mais me qualificar nesse sentido. Há sempre a necessidade de se qualificar, de estudar cada vez mais. De 2009 para cá me dediquei ao mestrado em Artes, pela UFPA, curso que concluí em 2011. Percebo que minha produção em artes visuais começa a passar por transformações também. Recentemente, me mudei de Icoaraci, passando a morar em Ananindeua. Ananindeua é longe, mas decerto, não se compara em nada ao que Icoaraci tem e é nesse sentido.

No período que se estende da tua primeira incursão como artista visual em 2001 até o momento atual, como tu analisas a trajetória da arte brasileira contemporânea?  

Percebo que, pelo menos em Belém, no ano de 2001 as coisas eram bem diferentes do cenário que se tem hoje, o que se deve, talvez, ao espírito de mudança daquele período. Havia um clima propício para as coisas acontecerem, uma movimentação espontânea na cidade em torno das questões da arte. Exposições, investimentos, ocasiões e eventos nos quais se discutiam e se debatiam sobre diversos temas; o surgimento de novos museus e galerias, e, por incrível que pareça, havia público nesses eventos e lugares. Hoje, pelo menos aqui, o que percebo é a existência de uma apatia geral. Uma paisagem modorrenta, na qual não há investimentos; equipamentos culturais são fechados ou encontram-se falidos. Os artistas e suas produções padeceram de um movimento de retração, e ainda que alguns poucos editais ofereçam alguns subsídios e apoios para estes, tais chamarizes parecem insuficientes e desinteressantes para fazer com que esses produtores se sintam estimulados a agenciar e expor suas obras na cidade. E assim como os artistas, o público se retraiu. Não há público, nem mercado, nem investimentos, nem espaços adequados, com uma estrutura ideal, e o que se tem é a indiferença e um marasmo. 

Nos grandes centros culturais e econômicos do país, contudo, começa-se a se discutir e a se buscar a constituição de práticas mais consolidadas de mercado. Nesses lugares, as artes visuais parecem receber melhores investimentos; e lá há mais espaços, mais público, e dentre este, alguns compradores circunstanciais, e uma recente e maior valorização de aspectos relacionados à técnica, a determinados procedimentos como o desenho, a pintura, a gravura. 

Hoje, os poucos artistas paraenses que se destacam e aparecem nos salões que aqui acontecem, esperam surpreender e causar assombro no público fazendo uso de recursos batidos, já executados de tempos em tempos, reproduzidos ao infinito. Tal procedimento se faz admirar mais pelo absurdo do pouco engenho, pelo uso da repetição sem critérios, já que muitas vezes é feito sem conhecimento histórico e teórico, sem ciência do que já foi feito, como se tudo fosse novo e válido, ou por outras vezes se apoiam conscienciosamente no pretexto contemporâneo da releitura e da apropriação de trabalhos. Em termos de projeção da arte e dos artistas paraenses nas principais capitais brasileiras, como Rio de janeiro, São Paulo, Brasília, com a realização de exposições, penso que essa movimentação não se reflete no que temos em Belém em termos de movimentação. Infelizmente, como tem ocorrido na música, o aparente boom de Belém nos meios de comunicação de massa parece mais especulação do mercado do que um reflexo direto do que temos aqui em termos de produção e de investimentos na área da cultura. 

Embora se caracterize por uma diversidade que vai do desenho a intervenção urbana a tua produção é eminentemente gráfica; o que te coloca na condição de um artista contemporâneo que utiliza processos manuais para a criação visual. Deste ponto de vista, é possível afirmar que a arte conceitual e seus “objetos prontos” não extinguiram as manualidades do contexto da arte contemporânea, como têm sido frequentemente cogitado?  

Pelo contrário. Percebo que depois de um período de enorme  arrebatamento e fascínio que os ready mades imprimiram nas pessoas ao longo do século XX, por suas praticidades e possibilidades de expressão, começou-se a se esboçar um certo cansaço, certa irritação nas pessoas. O excesso de conceitualismo, quero dizer, o hermetismo de certas obras, impôs um afastamento do público, o qual não se reconheceu mais ali. Faltam muitas vezes às obras contemporâneas a capacidade de hoje espelhar o humano, o que vai desembocar naquilo que Ortega Y Gasset chama de a desumanização da arte. Por outro lado, o cinema e a música, por exemplo, e ao contrário das artes visuais, gozam hoje de uma grande aproximação com o público, o que se justifica, dentre outras coisas, talvez pelo fato de tais linguagens conseguirem falar às pessoas, tocá-las, espelhá-las de uma forma mais direta. É possível perceber que em certos países como a China, os Estados Unidos, começam a se impor movimentos de revalorização da arte figurativa, pautada não só na criatividade dos artistas, mas também em suas habilidades manuais. Dizer, porém, que o futuro da arte seja esse é algo complicado. Acredito que as diversas expressões e possibilidades estéticas e artísticas precisam e podem acontecer e coexistir. 

Nos últimos cinquenta anos os críticos e historiadores foram substituídos pelos curadores e galeristas, que hoje criam os seus grupos de influências e ditam as regras no interior do sistema das artes. Além disto, o mercado passou a exigir dos artistas um nível cada vez maior de profissionalização. Como é que você lida com estas questões no seu dia-a-dia? Em que aspectos estes fatos influenciam diretamente na condução do teu trabalho? 

Quando comecei a produzir e expor meus trabalhos, ainda na condição de estudante do curso de artes na UFPA, me sentia muito instigado a entrar, conhecer e tirar minhas próprias conclusões acerca do meio das artes visuais em Belém e em outras cidades. Nesse sentido, pelo menos em termos locais, a experiência com o Grupo A9, um coletivo do qual fiz parte, e dele outros artistas como Flávio Araujo, Daniely Meireles, Fernando D’Pádua, e que esteve em atividade entre 2001 e 2004, me permitiu isso. A atuação em grupo, aliás, foi uma estratégia que permitiu a nossa inserção nesse meio, já que de outro modo seria complicado. Do fim do grupo até 2008 participei ativamente de exposições coletivas, salões; fiz três exposições individuais (Pretinho Básico, 2003; O Desenho em Suspensão, 2005; e Color Bars, 2008). De qualquer forma, os grupos existem, fechados como são, e estabelecem campos de atração e de repulsão que podem beneficiar e prejudicar artistas. Depois dessa experiência, sempre busquei me manter neutro em relação a grupos de influências, o que pode ter me atrapalhado um pouco, em certo sentido. Por outro lado, a liberdade que se tem para trilhar seu próprio caminho é algo extraordinário. Como sempre vi minha produção desligada da necessidade de me sustentar financeiramente, procurando para isso outros meios, não me sinto obrigado a produzir em série e a estar preso a um único estilo de trabalho, o que a meu ver é algo muito saudável. Ultimamente, levado pelos experimentos e questionamentos levantados por minha última exposição, Color Bars, comecei a investigar algumas possibilidades de imersão no universo da cor, que tem me servido para avaliar os próximos passos de meu percurso, que ainda estão em processo.

A despeito da enorme pobreza material que atinge grande parte de sua população (Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) 43% da população do Pará encontra-se em condição de pobreza), o Estado do Pará vem sendo apontado pela imprensa especializada como um lugar culturalmente próspero e que apresenta uma arte contemporânea singular e muito expressiva.  Considerando tais aspectos, seria correto afirmar que no Pará a “arte pela arte” se impôs como “sistema de crenças que defende a autonomia da arte” perante a realidade?

Poucos são os artistas paraenses que espelham e apresentam de forma mais crítica em suas obras abordagens acerca de aspectos sociais de nossa região. É um fenômeno interessante a ser observado. Na grande parte das vezes, o que se evidencia é a valorização de elementos estéticos, o destaque ao que é exótico, a exploração de um ideal ou de um simulacro do que venha a ser o amazônico. A discussão de temas atuais, como a construção de Belo Monte, por exemplo, com tudo o que ela trará de impactos ambientais e sociais, é tema que interessa a poucos artistas, infelizmente. Assim como assuntos como a violência, o analfabetismo, a questão agrária; da exploração de minérios, a prostituição, a violência contra a mulher, a pobreza. Acho que hoje os artistas paraenses mais envolvidos com tais questões são a Lucia Gomes, que apesar de estar longe de Belém, e talvez por isso mesmo, faça trabalhos que visam a denunciar certas coisas, nas quais a gente está imerso aqui e parece não ver. Outro artista é o Flávio Araújo, que vem pesquisando acerca da violência urbana de uma forma bastante contundente. Além destes, nomes como Armando Queiroz, produzem nesse sentido. O resto, ou é uma produção que se pauta no escatológico pelo escatológico, ou no hermetismo pelo hermetismo, ou no fofinho de uma arte fofinha ou cai no clichê do amazônico exótico, infelizmente.

Em setembro de 2012 participaste da exposição “O Fio Condutor”, realizada na cidade do Rio de Janeiro pela galeria Graphos: Brasil. Dentre os artistas que integraram a exposição estavam Anna Bella Gaiger, Waltercio Caldas e Carlos Vergara, nomes importantíssimos no cenário da arte contemporânea brasileira e internacional. Como foi esta experiência? Consideras que o teu trabalho atingiu um nível ideal de amadurecimento?  

Ao visitar o Rio de Janeiro, em 2011, busquei conhecer algumas galerias dessa cidade com a finalidade de ampliar as probabilidades de lugares para expor meu trabalho. Fui de forma independente, sem indicação de ninguém. Das várias galerias que visitei, a Graphos: Brasil foi a que me recebeu de braços abertos. Passamos cerca de um ano conversando sobre a produção dos trabalhos a ser exibidos  lá, e acabamos por decidir pela série de desenhos de postes e fios, O Desenho em Suspensão. Essa coisa de linhas, fios, acabou servindo como base para a exposição coletiva que o proprietário da Galeria denominou de O Fio Condutor. Para mim foi uma experiência extraordinária participar dessa exposição. Ganhei uma sala individual e vi obras de artistas dos quais sou admirador há tempos, como é o caso do Vik Muniz, do Carlos Vergara, da Anna Bella Geiger.  Acredito, porém, que essa exposição tenha sido um caso isolado, já que a Graphos: Brasil não trabalha com representação nem agenciamento de artistas. Sendo assim, só voltarei a expor lá por ocasiões de uma nova coletiva ou a realização de uma individual, o que seria maravilhoso, mas é algo que depende exclusivamente dos interesses e das possibilidades da galeria. De qualquer forma, a exposição aconteceu, alguns trabalhos ficaram por lá para serem comercializados, porém, como tive de recorrer a ideias de trabalhos já realizados do meu portfólio, percebo que a exposição serviu mais para encerrar uma fase, um ciclo, marcados pelo desenho e por composições monocromáticas, em preto e branco. Encerrar, aliás, em condições excelentes, dentro de um meio mais profissional. Agora, envolvido em questões de cores, de pintura e de representações realistas, diante, portanto, de um universo totalmente novo, o que há de amadurecimento e de certo é a incerteza e as surpresas do que estão por vir. A vontade de aprender  cada vez mais com o que está em curso. 


* Agradecemos João Cirilo por sua gentileza.
 

domingo, 2 de junho de 2013

Arte Contemporânea Brasileira na Bienal de Veneza

 






















Sob curadoria do venezuelano Luiz Pérez-Oramas, espaço dedicado ao Brasil na Bienal de Veneza procura mostrar toda a diversidade atual da arte contemporânea do país, sem esquecer contribuições do passado.
Com curadoria de Massimiliano Gioni, a 55° Bienal de Veneza recebeu o título de O Palácio Enciclopédico e indaga sobre o domínio da imaginação. O evento começou no sábado (01/06) e vai até dia 24 de novembro.
Buscando levar a Veneza produções de artistas brasileiros contemporâneos de peso, o pavilhão brasileiro é ancorado pelos artistas Hélio Fervenza e Odires Mlászho, que foram convidados a produzir obras inéditas para a exposição.
 

Texto Completo: http://www.dw.de