"A gente não quer só comida"
O Vale-Cultura pode, sim, ser o
"alimento da alma". Por que não? Pela primeira vez o trabalhador terá
um dinheiro para o consumo cultural.
A Folha publicou editorial
("Vale-populismo", 10/1) crítico do Vale-Cultura (VC). Chama de
"populismo" e promoção pessoal e eleitoreira projeto de lei que
buscava aprovação desde 2009. Com a regulamentação do VC, empresas poderão
passar R$ 50 a seus funcionários que recebam prioritariamente até cinco salários
mínimos (R$ 3.390) para gastarem em cultura.
O Brasil nos últimos anos, com Lula e agora
Dilma, tem dado passos gigantescos para acabar com a miséria. Não preciso citar
os números dos que hoje comem nem dos que hoje entraram na classe média. O
Bolsa Família, trucidado pela oposição, hoje é comprovadamente um instrumento
de erradicação da pobreza.
O Vale-Cultura pode, sim, ser o "alimento
da alma". Por que não? Pela primeira vez o trabalhador terá um dinheiro
que poderá gastar no consumo cultural: sejam livros, cinema, DVDs, teatro,
museus, shows, revistas...
Lembro que, quando fizemos os CEUs (Centro
Educacional Unificado), na pesquisa (2004) realizada no primeiro deles, na zona
leste, 100% dos entrevistados nunca tinham entrado num teatro e 86%, num
cinema. Quando Denise Stoklos fez seu espetáculo de mímica, a plateia se
remexia inquieta até entender a linguagem e não se ouvir uma mosca no teatro,
fascinado.
Fomento ao teatro, aquisição de conhecimento e
bagagem cultural! Não foi à toa que Fernanda Montenegro ficou pasma com a
plateia dos CEUs. Essas pessoas, se tiverem criado gosto, finalmente poderão
usufruir e escolher mais do que hoje podem. E os que não têm CEU têm televisão
e conhecem o que é oferecido para determinado público. Sabem também o que
aparece no bairro. E sabem que não podem ir.
Existe toda uma multidão de brasileiros (17
milhões) que hoje ganha até cinco salários mínimos (R$ 3.390) que
potencialmente poderão, além de comer, alimentar o espírito. Este é um projeto
de lei que toca duas pontas: o cidadão que vai consumir e o produtor cultural
que terá mais público para sua oferta.
Quando chegarmos nesse potencial, serão R$ 7
bilhões injetados na cultura. Nossa previsão é atingir R$ 500 milhões neste
ano.
Em 2008, o Ibope realizou pesquisa sobre indicadores
de cultura no Brasil e mostrou que a grande maioria da população está alijada
do consumo dos produtos culturais: 87% não frequentavam cinemas, 92% nunca
foram a um museu; 90% dos municípios do país não tinham sala de cinema e 78%
nunca assistiram a um espetáculo de dança.
Segundo a Folha, estaremos incentivando
blockbusters e livros de autoajuda. Visão elitista. Cada um tem direito de
consumir o que lhe agrada. Não esqueço quando, visitando um telecentro, fiquei
indignada que a maioria dos jovens estava nos chats de um reality show. Fui
advertida pela gestora: "Esse é um instrumento que eles estão aprendendo a
usar. Depois, poderão voar para outros interesses. Ou não".
Não custa lembrar que a fome pelo acesso à
cultura é enorme, o que ficou evidente nas filas quilométricas na mostra sobre
impressionistas quando apresentada gratuitamente pelo Banco do Brasil.
O que a Folha também menosprezou é a
enorme alavanca que o VC pode representar e desencadear na economia. A cadeia
produtiva da cultura é o investimento de maior rentabilidade a curto prazo.
Para uma peça de teatro, você vai desde os artistas, ao carpinteiro, cenógrafo,
vestuário, iluminador...
Quanto ao recurso ir para formação e
atividades de menor sustentação comercial, citadas como prioritários pelaFolha,
os editais do ministério, os Pontos de Cultura, têm exatamente essa
preocupação, assim como os CEUs das Artes e Esporte que são, no momento, 124 em
construção no país.
"A gente quer comida, diversão e
arte." (Titãs)
MARTA SUPLICY, 67, é ministra da
Cultura. Foi prefeita de São Paulo (2001-2004), ministra do Turismo (2007-2008)
e senadora (2011-2012) .
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