Quando os artistas financiados pelo mecenato renascentista deslocaram a pintura da condição de produto
das corporações de ofícios para a categoria de “coisa mental” ou artes liberais, deram início ao
distanciamento atual entre as manifestações de artes visuais e o cidadão comum.
No século XVIII,
os franceses ao tomarem de assalto dos italianos o posto de “cultura de elite”
do Ocidente, utilizaram-no politicamente para difundir pelo mundo uma concepção
de arte atrelada à sua hegemonia econômica e cultural. Neste sentido, ao
desembarcar no Rio de Janeiro em 1816, trazida pelos artistas napoleônicos da Missão
Artística Francesa, a arte das monarquias europeias ou arte acadêmica –
herdeira do mundo greco-romano e renascentista – torna-se instrumento da
monarquia brasileira em sua “luta” contra o estilo Barroco-Colonial que, até
então, se popularizava com as bênçãos dos jesuítas.
Desenbarque de D.
Leopoldina no Brasil – Óleo sobre tela, Jean-Baptiste Debret.
Com a Proclamação
da República em 1822, surgem no Brasil às primeiras iniciativas para
transformar a arte acadêmica em algo acessível à maioria da população.
Entretanto, a suntuosidade, a formalidade e a sacralização das obras de arte
expostas nos luxuosos salões neoclássicos dos primeiros museus do país,
serviram apenas para alargar e aprofundar ainda mais o fosso existente entre os
cidadãos sem instrução artística e as artes visuais.
Museu
Nacional de Belas Artes – Rio de Janeiro
Foto:
Cláudio Lara
Nas duas
primeiras décadas do século XX, o Brasil presencia o embate ideológico entre
duas facetas de sua “elite”. De um lado, os ricos herdeiros da aristocracia
cafeeira, partidários do academicismo. De outro, os novos ricos da indústria
paulista que se auto-intitulavam vanguardistas
modernos. Neste contexto, após uma sucessiva troca de agressões entre as
partes envolvidas no conflito ideológico, prevalece a estética nacionalista de
feição européia, exaltada na Semana de Arte Moderna em 1922. No entanto, a
mudança proposta pelos modernistas permaneceu no plano teórico e formal, não
atingindo aspectos estruturais ou simbólicos relevantes que pudessem destituir
a arte do seu caráter elitista.
Modernistas
– Teatro Municipal de São Paulo 1922
Em 1951, exposta na primeira Bienal
Internacional de Arte de São Paulo, chega ao Brasil a arte abstrata. “Criada”
por artistas europeus e ampliada pelo neo-expressionismo norte americano, a
abstração eleva o tom do discurso visual para um nível ainda mais
intelectualizado; o que mantém a arte brasileira como algo inacessível às classes “não educadas” do país.
Unidade Tripartida
(1951) – Max Bill
Na década de 1960, conciliada à linguagem da informática, a abstração inaugura em território brasileiro o período da arte contemporânea ou pós-moderna, que em sua vertente conceitualista propõe a “desmaterialização da obra de arte”. Por fim, destituída de seus suportes convencionais, a arte é transformada em pura ideação e concebida como linguagem, tornando-se objeto de estudo semiológico de intelectuais ligados aos meios acadêmicos.
Arquiteturas biológicas (1969) Lygia Clark.
Hoje, como parte do esforço para reduzir a desigualdade, o grande desafio político-cultural consiste em diminuir a distância que separa as criações artísticas nacionais dos não-artistas. Para isso, a produção e o acesso às artes visuais devem transitar em vias de mão dupla, do contrário, a arte brasileira permanecerá historicamente como “coisa mental”, feita por poucos e para poucos.
_______________________________
1. Segundo pesquisa realizada pelo Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD) o Brasil, a sexta maior economia, possui hoje a sétima pior taxa de desigualdade do mundo (0,56%).
2. Ednaldo Britto é pesquisador, produtor e professor de Artes Visuais com formação em Arte e pós-graduado em Estudos Culturais pela Universidade Federal do Pará. Atualmente, trabalha com Gestão Cultural, formação de Educadores e é responsável pelo Blog Arte: Pesquisa e Ensino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário